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O CONTO DO BOBO

Em terras distantes, tão distantes que a contagem do tempo, dos dias e das horas nada pareciam com o que conhecemos em nossas vidas contemporâneas, existia um povoado.


Era uma terra de pessoas preocupadas em criar seus animais, plantações e pequenos negócios. Todos acordavam com o raiar do sol, e com o sino da pequena igrejinha da praça, anunciando que mais um dia começava.


Por mais pacata que fosse a população desse povoado, não faltou quem se chamasse de Rei, e todos aceitaram de bom agrado que tivesse um líder para falar por eles, protegê-los de possíveis inimigos e invasores - mesmo nunca tendo chegado ou saído ninguém daquelas terras distantes.


Esse Rei morava em um belíssimo castelo, destoava de todas as casas simples dos demais moradores. O castelo chegava a ser maior que a própria igrejinha no meio da praça, mesmo o Rei sendo muito amigo do padre, nada poderia ser maior que ele, e todos aceitavam, afinal, ele era o grande líder protetor.


O Rei era filho de outro Rei que era filho de outro Rei também, e assim sempre foi. O castelo era cheio de quartos enormes, com camas aconchegantes, banheiras com água quente, espelhos emoldurados de ouro e salões com tapeçarias belíssimas.


Mas de alguma forma, tudo parecia meio velho e empoeirado ali dentro. Como se o tempo tivesse passado e ninguém houvesse tocado ou vivido realmente ali dentro. Mesmo com empregados, não havia o que limpasse de verdade. A enorme mesa de jantar, rodeada pela família do Rei, estava cheia de castiçais de velas e pratos de comidas de todos os tipos: frangos, carnes de caça, frutas, hortaliças, vinhos quentes, pães e bolos. Mas por mais que comessem, nunca ficavam satisfeitos. O cheiro era bom, mas o gosto era de coisa velha, como tudo no castelo.


O que trazia vida para o Rei e sua família, era o divertido e atrevido Bobo. Usava as velhas roupas do Rei, que ficavam folgadas em seu corpo magro e pequeno. Com os sapatos trocados e os pendentes em seu chapéu, que faziam algazarra por onde passava, sorrindo com escárnio e mostrando com seus dentes amarelos para todos.


Quem era o Bobo? Bom, o Bobo era filho de outro Bobo, que era filho de outro Bobo também. Sempre foi assim, sempre teve um Bobo, fazendo seu papel no castelo do Rei. O Bobo dificilmente saía do castelo, pois estava sempre disponível para quando o Rei e sua família precisassem dar boas gargalhadas. Ele dormia lá fora, na luz das estrelas, junto com os bichos da noite e os cavalos do castelo. O jantar era o momento em que ele era mais requisitado, correndo em volta da mesa e recebendo pedaços de comida na boca como recompensa das crianças.


Em uma noite, o Bobo estava particularmente mais quieto. Não sabia bem de onde vinha esse sentimento, mas começou a perguntar para si mesmo, o que tinha de diferente entre ele e o Rei. Se os dois eram homens, os dois sangravam, os dois choravam, os dois foram paridos, os dois mamaram no seio. Por que o Bobo aqui e ele lá? O que o Bobo poderia ser, além de ser Bobo?


Ao ser chamado para a presença do Rei e sua família, o Bobo ao invés de tirar brincadeiras e sentar no chão à espera de comida, sentou-se à mesa, de frente para o Rei. Todos observavam em choque, aguardando alguma surpresa que o Bobo estaria tramando. Ao invés disso, o Bobo começou a comer e saborear todas as comidas que via pela frente. Enfiou as mãos na tijela de purê, arrancou uma coxa de frango e enfiou tudo na boca com um bom gole de vinho quente.


O Rei nesse momento parou de sorrir, e olhou com raiva para o Bobo. Ordenou que levantasse e se coloca-se no seu lugar, que aquele comportamento era inadmissível. O Bobo continuou comendo tudo o que tinha na sua frente, pois pensava que pior do que sua vida era, não poderia ficar, e que o que lhe restava, era saber pelo menos uma vez, o sabor daquilo que estava na sua frente.


O Rei roxo de raiva, gritou pelos seus guardas e ordenou que o Bobo fosse levado para fora dali, que agora o Bobo havia se tornado um Louco completo.


O Louco foi então arrastado para fora, os empregados do castelo também o chamavam de Louco, e assim, ele se percebeu vivendo uma vida de loucura. O Louco pegou tudo o que tinha, destrocou os sapatos e saiu do castelo pela primeira vez em muitos anos. Ao descer pela colina e chegar na cidade, foi sendo acompanhado por um cachorro pulguento, mas cheio de energia.


O Louco sorriu para o que seria seu primeiro amigo em toda sua vida. Cantando uma música que não sabia onde tinha aprendido, saíram os dois pelos portões da cidade, com todos o chamando de Louco nas suas costas. Mas ele sorria e chorava, não de felicidade e nem de tristeza, era porque nesse momento, ele finalmente estava fazendo algo por ele mesmo, ao sair daquela terra pacata, da vida que ele não escolheu, em busca de conhecer quem ele seria a partir de agora.



Um texto de Papisa do Tarot.

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